Opus X, para teclado de objetos sonoros

Opus X, para teclado de objetos sonoros
 
Opus X, para teclado de objetos sonoros é uma instalação sonora onde se tem um teclado que em vez de ser composto por notas musicais, é composto por ruídos. A ideia dessa instalação é do interator criar obra improvisada (opus x) a partir do teclado de objetos sonoros.

(texto escrito por Marina Mapurunga, publicado no Catálogo da Exposição Conexões Estéticas de 2011. 
Opus X, esteve exposta novamente no dia 7 de fevereiro de 2012, na Vila das Artes- Rua 24 de maio, 1221 -Fortaleza-CE, de 14h às 20h)
 

“É imensa a capacidade criativa do ser humano em manipular o som – mesmo porque ele vai acompanhá-lo de perto durante toda a sua vida, mais que qualquer outra criação do espírito humano.” Julio Medaglia

Pierre Schaeffer

Novas possibilidades de se pensar música são pensadas a partir das tendências musicais do século XX, como a politonalidade, a atonalidade, o expressionismo, o dodecafonismo, a música concreta, a música eletrônica, a música aleatória, entre outras. A música passa a não ser somente uma estrutura formal, com regras de melodia, harmonia, ritmo e tonalidade, aos poucos ela se torna um som aleatório, dissonante, atonal. Com o Impressionismo, termo adotado da pintura, compositores, como Debussy, se utilizavam mais do seu instinto musical do que das regras de composição. No fim da década de 40, surgiu a música concreta com Pierre Schaeffer. “Os sons por ele registrados eram sons naturais, como o de uma porta batendo, uma rolha saltando da garrafa, etc.” (BENNETT, 1986, p. 76). Com a música aleatória, como a própria etimologia da palavra aponta (do latim, alea: dado), a imprevisibilidade se torna um guia para a composição. Pode-se dizer que seu pensamento é similar ao do dadaísmo na literatura, em que palavras são colocadas aleatoriamente numa folha de papel, dando surgimento a um texto, muitas vezes, sem coerência. John Cage e Stockhausen compuseram músicas em que o músico fica livre para a escolha da ordem das páginas da partitura que irá tocar.  Em Zyklus, de Stockhausen, o instrumentista pode até tocar com a partitura de cabeça pra

John Cage

baixo. Em outras obras, não há nem a indicação de notas musicais. Cage em suas Sonatas e Interlúdios, “[…] criou novos sons ‘preparando’ o piano: nozes, correntes, parafusos, pedaços de borracha e de plástico eram inseridos sobre e sob certas cordas desse instrumento. Isso afetava tanto no timbre como a afinação das notas, produzindo sonoridades profusamente variadas, a sugerir sinos, gongos e tambores orientais.” (BENNETT, 1986, p. 75)

O conceito de música é revisto a partir deste momento de ruptura ocorrido no século XX, em que a definição de música meramente como sons pode ser pensável. John Cage respondendo a pergunta de Murray Schafer quanto a sua definição de música diz que “Música é sons, sons à nossa volta, quer estejamos dentro ou fora de salas de concerto.” (SCHAFER, 1991, p. 120). Em 4’33”, de John Cage, é o ambiente exterior à orquestra que cria a música. Enquanto a orquestra se posiciona, mantendo-se parada durante os quatro minutos e trinta e três segundos (título da obra), os sons da platéia, da sala de concerto, os sons exteriores que invadem esta sala é que cria a composição de Cage. Nunca essa obra é a mesma, a cada ambiente, público e situação ela se modifica.
 

Estamos rodeados por sons, sempre. Impossível não ouvirmos nada. Mesmo que tapemos nossos ouvidos, ouviremos o som de nosso corpo. O que se passa é que as pessoas já não percebem tão bem os sons, por estarmos em meio a uma massa de ruídos, de poluição sonora. Os objetos têm sons peculiares que nos atraem e nos repelem. O som nos traz à memória. O som das chaves abrindo a porta

Edgar Varèse

– alguém chegando-, do talher caindo na cozinha – alguém descuidado -, dos pratos sendo colocados à mesa – hora de comer-, da porta da geladeira abrindo -fome-, do liquidificador -alguma vitamina sendo preparada-, do brinquedo que tínhamos quando criança -lembrança da infância-, das moedas dentro do porquinho de barro -será que já tenho dinheiro o suficiente?-, do relógio fazendo tic-tac -está muito silencioso para eu poder ouvir este relógio-, do estabilizador ligado na tomada -isso não me deixa dormir-… Sons e mais sons, marcas sonoras de nossa vida.

Um dia estava dentro de um ônibus parado no sinal vermelho e ouvi um som com um ritmo bem interessante. Procurei a pessoa que estava batendo este ritmo. Olhei para todos os lados e não encontrei. Fechei os olhos. Pensei: “Com o que se parece essesom? Será um carro? Não, o timbre não é parecido. Tem o timbre de um motor de uma moto, não, não é porque o ritmo está variando muito. Deve ser mesmo alguém batendo neste ônibus, está muito ‘humano’ para ser uma máquina.”. Passei a repetir este mesmo som batendo meus pés, estava adorando, quase dançando e ainda curiosa para saber de onde vinha esse som. Quando o sinal abriu. O som que estava variando, de repente se torna linear e sai em alta velocidade ao lado do ônibus. Não! Sim, era realmente a moto. Porém, com algum problema no motor. Para mim, aquele som era música, era um som que tinha a intenção de ser música. Claro que o som não tinha essa intenção, muito menos (pelo que penso) o motoqueiro. Mas em minha mente, aquele som estava com aquela intenção – ser música. Temos tantos sons interessantes, por que não os exploramos? Não necessariamente precisamos ter um instrumento musical para que haja música. Podemos fazer músicas com os mais diversos sons. Como John Cage disse: “Música é sons, sons à nossa volta”. Pensei em Pierre Schaeffer, em Edgar Varèse, em Iannis Xenakis, em várias esculturas sonoras… Criar uma trilha sonora com objetos sonoros, esse era o objetivo. Unir um instrumento musical – o teclado – a objetos do nosso cotidiano, objetos que muitas vezes não percebemos seus sons ou objetos com sons marcantes que ativam nossa memória. Compor uma obra (opus) incógnita (X), seja ela improvisada, pensada ou escrita no caderno de pautas para que outros possam lê-la e tocá-la. Uma obra cheia de movimentos: allegro, largo, andante, presto, entre outros. O meu movimento, o seu, o dele, o daquele, o de todos nós – um único movimento.



 
Referências bibliográficas:
BENNETT, Roy. Uma breve história da música. Trad.: Maria Teresa Resende Costa. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1986.
MEDAGLIA, Julio. Música, Maestro!: do canto gregoriano ao sintetizador. São Paulo: Globo, 2008.
SCHAFER, Murray. O Ouvido Pensante. Trad. Marisa Fonterrada, Magda Gomes da Silva, Maria Lúcia Pascoal. -São Paulo: UNESP, 1991.